Tido e elogiado como um prosador admirável, a fase poética de Humberto de Campos, no começo de sua carreira (1904-1915), quando publicou os dois volumes dPoeira, enquadra-se numa fase de transição, a que alguns chamam de neo parnasiana, mas sem uma característica definida. Certo, o homem de sensibilidade que também sabia fazer versos, como alguns de seus contemporâneos.” 

ASSIS BRASIL.  

 HUMBERTO DE CAMPOS (1886 – 1934)

Humberto de Campos Veras nasceu em Miritiba, hoje Humberto de Campos, Estado do Maranhão. Deixou obra extensa e variada, incluindo crônicas e contos humorísticos, além de sonetos refinados, que o tornaram um dos autores mais populares em sua época. Aprendiz de tipógrafo e depois escriturário, iniciou-se (1908) no jornalismo em Belém do Pará, e chegou a diretor de A Província do Pará. Fatores políticos forçaram-no a mudar-se (1912) para o Rio de Janeiro, RJ, onde passou a trabalhar como redator de O Imparcial. A longa série de seus livros de prosa iniciou-se com Da seara de Booz (1918). Publicou depois, entre outros, A serpente de bronze (1921), A bacia de Pilatos (1924), O monstro e outros contos (1932) e Poesias completas (1933). Eleito membro da Academia Brasileira de Letras (1920), também foi eleito deputado federal pelo Maranhão (1927), mas teve o mandato interrompido pela revolução (1930). Suas Memórias (1933) são apontadas como seu livro mais importante. Morreu no Rio de Janeiro, RJ, e seu Diário secreto, publicado postumamente (1954), causou escândalo.

Fonte: http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_2186.html

Quando o cavaleiro D´Arsonval, valoroso senhor em França, se ausentou do medievo domicílio, pela primeira vez, de armadura fulgindo ao Sol, dirigia-se à Itália para solver urgente questão política.

Eminente cristão trazia consigo um propósito central – servir ao Senhor, fielmente, para encontrá-lo.

Não longe de suas portas, viu surgir, de inesperado, ulceroso mendigo a estender-lhe as mãos descarnadas e súplices.

Quem seria semelhante infeliz a vaguear sem rumo?

Preocupava-o serviço importante, em demasia, e, sem se dignar fixá-lo, atirou lhe a bolsa farta.

O nobre cavaleiro tornou ao lar e, mais tarde, menos afortunado nos negócios, deixou de novo a casa.

Demandava a Espanha, em missão de prelados amigos, aos quais se devotara.
No mesmo lugar, postava-se o infortunado pedinte, com os braços em rogativa.

O fidalgo, intrigado, revolveu grande saco de viagem e dele retirou pequeno brilhante, arremessando-o ao triste caminheiro que parecia devorá-lo com o olhar.

Não se passou muito tempo e o castelão, menos feliz no círculo das finanças, necessitou viajar para a Inglaterra, onde pretendia solucionar vários problemas, alusivos à organização doméstica.

No mesmo trato de solo, é surpreendido pelo amargurado leproso, cuja velha petição se ergue no ar.

O cavaleiro arranca do chapéu estimada joia de subido valor e projeta-a sobre o conhecido romeiro, orgulhosamente,

Decorridos alguns meses, o patrão feudal se movimenta na direção de porto distante, em busca de precioso empréstimo, destinado à própria economia, ameaçada de colapso fatal, e, no mesmo sítio, com rigorosa precisão, é interpelado pelo mendigo, cujas mãos, em chaga abertas, se voltam ansiosas para ele.

D´Arsonval, extremamente dedicado à caridade, não hesita. Despe fino manto e entrega-o, de longe, receando-lhe o contacto.

Depois de um ano, premido por questões de imediato interesse, vai a Paris invocar o socorro de autoridades e, sem qualquer alteração, é defrontado pelo mesmo lázaro, de feição dolorida, que lhe repete a antiga súplica.

O Castelão atira-lhe um gorro de alto preço, sem qualquer pausa no galope, em que seguia, presto.

Sucedem-se os dias e o nobre senhor, num ato de fé, abandona a respeitada residência, com séquito festivo.

Representará os seus, junto à expedição de Godofredo de Bouillon, na cruzada com que se pretende libertar os Lugares Santos.

No mesmo ângulo da estrada, era aguardado pelo mendigo, que lhe reitera a solicitação em voz mais triste.

O ilustre viajor dá-lhe, então, rico farnel, sem oferecer-lhe a mínima atenção.
E, na Palestina D´Arsonval combateu valorosamente, caindo, ferido, em poder dos adversários.

Torturado, combalido e separado de seus compatriotas, por anos a fio, padeceu miséria e vexame, ataques e humilhações, até que um dia, homem convertido em fantasma, torna ao lar que não o reconhece.

Propalada a falsa notícia de sua morte, a esposa deu-se pressa em substituí-lo, à frente da casa, e seus filhos, revoltados, soltaram cães agressivos que o dilaceraram, cruelmente, sem comiseração para com o pranto que lhe escorria dos olhos semimortos.

Procurando velhas afeições, sofreu repugnância e sarcasmo.

Interpretado, agora, à conta de louco, o ex-fidalgo, em sombrio crepúsculo, ausentou-se, em definitivo, a passos vacilantes...

Seguir para onde? O mundo era pequeno demais para conter-lhe a dor.
Avançava, penosamente, quando encontro o mendigo.

Relembrou a passada grandeza e atentou para si mesmo, qual se buscasse alguma coisa para dar.

Contemplou o infeliz pela primeira vez e, cruzando com ele o olhar angustiado, sentiu que aquele homem, chegado e sozinho, devia ser seu irmão. Abriu os braços e caminhou para ele, tocado de simpatia, como se quisesse dar-lhe o calor do próprio sangue. Foi, então, que, recolhido no regaço do companheiro que considerava leproso, dele ouviu as sublimes palavras:

- D´Arsonval, vem a mim! Eu sou Jesus, teu amigo. Quem me procura no serviço ao próximo, mais cedo me encontra... Enquanto me buscavas à distância, eu te aguardava, aqui tão perto! Agradeço o ouro, as joias, o manto, o agasalho e o pão que me deste, mas há muitos anos te estendia os meus braços, esperando o teu próprio coração!...

O antigo cavaleiro nada mais viu senão vasta senda de luz entre a Terra e o Céu...

Mas, no outro dia, quando os semeadores regressavam às lides do campo, sob a claridade da aurora, tropeçaram no orvalhado caminho com um cadáver.

D´Arsonval estava morto.


Espírito: IRMÃO X.


FONTE: LIVRO ANTOLOGIA MEDIÚNICA DO NATAL – Psicografia: Francisco Cândido Xavier.

jeronimomendonca1 | 08/02/2015 às 22:26 

 

ANOTAÇÕES SIMPLES

Entrevistado, através da televisão, você, meu amigo, jornalista distinto, afirmou que os escritores desencarnados estão transformando o Brasil numa grande necrópole. E acrescentou irônico: porque não se consagram os Espíritos a outras atividades artísticas? Por que razão não vem Da Vinci pintar alguma tela que lhe marque a glória inconfundível, como prova da sobrevivência? Por que não se faz ouvido o gênio musical de Chopin nas sessões espíritas, atestando a continuidade da vida, além-túmulo? Entretanto, somente nós, pobres escrivinhadores da vida carnal, em sua opinião, tornamos à arena física, padecendo pruridos de publicidade, famintos de evidência...

E você, transbordando sarcasmo, termina a conversação sugerindo que o acervo de nossos avisos não passa de mistificações, em que os médiuns, à feição de cadernos pelotiqueiros, se fazem credores das atenções da própria justiça.
Suas perguntas e considerações, transmitidas a milhares de telespectadores, ficam no ar, e nós não guardamos a pretensão de a elas responder. Se estivéssemos ai, envergando ao seu lado o macacão de carne, talvez lhe adotássemos o ponto de vista sem qualquer discrepância. Por isso mesmo, acatando-lhe a visão provisória, desejamos apenas dizer-lhe que não faltam artistas aqui, dispostos a enfrentar, com mais amplitude e profundeza, a pauta e o pincel, no sentido de colaborarem na sublimação da arte terrestre; no entanto, escasseiam no mundo companheiros que lhes abracem o ideal de beleza e renúncia, aceitando a necessária disciplina para a consecução das obras que pretenderiam concretizar, embora já existam, no Brasil e no seio de outros povos, médiuns do som e da cor, edificando notáveis realizações que você desconhece.

Movimente-se, afaste-se um tanto da sua galeria de censor e procure-os. Encontrá-los-á, fazendo o melhor que podem, sob a orientação de grandes inteligências desencarnadas que, naturalmente, apenas lhes confiam aquilo que são capazes de receber.

Quanto a, nós outros, os que ainda escrevemos para resgatar os nossos pecados, perdoe-nos as páginas, agora despidas de qualquer presunção acadêmica.

Creia que, atualmente, não fazemos simples literatura.

Mereceríamos o inferno se ainda aqui estivéssemos na condição de beletristas interessados na fama que os vermes aniquilaram.
Achamo-nos em abençoada construção do espírito, utilizando os talentos da palavra, como o artífice que se vale dos méritos do tijolo para erguer o edifício humano. Intentamos, com isso, não apenas retificar nossas faltas, mas igualmente contribuir na edificação da justiça e do amor, da solidariedade e do bem, da responsabilidade e do entendimento entre as criaturas, para que a Terra de amanhã seja menos conturbada que a Terra de hoje. Buscamos simplesmente informar a vocês que a morte não existe e que o túmulo é uma espécie de cabina fotográfica, revelando o verdadeiro retrato de nossa consciência, afim de que se habilitem, nos padrões de Jesus, a suportar as requisições do tempo...

Para a execução desse tentame, não dispomos de outro recurso senão escrever. E olhe que escrever não é tão indigno assim.
Você, com o seu respeitável título de católico-romano, não poderá, esquecer-se de que a primeira dádiva direta do Céu aos homens, segundo a Bíblia, foi o Livro dos Dez Mandamentos, de que Moisés se fez o guarda irredutível. E se um vaso Sagrado da Terra guarda a luz do Cristo para as nações, é forçoso convir que esse vaso é ainda o livro, arquivando-lhe a palavra de amor e luz.

Desse modo, com todo o nosso respeito aos pintores e musicistas, desencarnados ou não, rogo-lhe não considere com tanto desdém os seus irmãos de letras.

Esteje certo de que, em futuro talvez próximo, você estará pessoalmente em nossa companhia e sentirá uma vontade louca de apagar os seus erros escritos.

E que você encontre uma criatura consciente e caridosa que o ajude mediúnicamente, na piedosa empresa, são nossos votos sinceros, porque, sem dúvida alguma, ao nosso porto de surpresa e refazimento o barco de sua vida, hoje ou amanhã, chegara também.

Pelo Espírito Irmão X - Do livro: Cartas e Crônicas, Médium: Francisco Cândido Xavier. 

PARÁBOLA DO SERVO

 Na linha divisória em que encontram as regiões da Terra e do Céu, nobre Espírito, exibindo alva túnica, solicitava passagem, suspirando pela Divina Ascensão. Guardava a pureza exterior de um lírio sublime, falava docemente como se harpa melodiosa lhe habitasse as entranhas e mostrava nos olhos a ansiedade e a timidez da andorinha sequiosa de primavera.

O Anjo do Pórtico ouviu-lhe o requerimento com atenção e, admirando-lhe a brancura da veste, conduziu-o à balança de precisão para observar-lhe o peso vibratório.

Contudo, o valioso instrumento foi contra ele. O clima interno do candidato não lhe correspondia à indumentária brilhante.

À frente das lágrimas tristes que lhe vertiam dos olhos, o funcionário divino exortou-o, otimista:

- Desce à Terra e planta o amor cada dia. A colheita da caridade dar-te-á íntima luz, assegurando-te a elevação.

O Espírito faminto de glória celestial renasceu entre os homens e, sempre cauteloso na própria apresentação, muniu-se de casa enorme, adquirida ao preço de inteligência e trabalho, e começou a fazer o bem por intermédio das mãos que o serviam.

Criados numerosos eram mobilizados por ele, na extensão da bondade aqui e ali...

Espalhava alimentação e agasalho, alívio e remédio, através de largas faixas de solo, explorando com felicidade os negócios materiais que lhe garantiam preciosa receita.

Depois de quase um século, tornou à justiceira aduana.

Trazia a roupa mais alva, mais linda.

Ansiava subir às Esferas Superiores, mas, ajustando à balança, com tristeza verificou que o peso não se alterava.

O Anjo abraçou-o e explicou:

- Pelo teu louvável comportamento, junto à posses humanas, conquistaste a posição de Provedor e, por isso, a tua forma é hoje mais bela; no entanto, para que adquiras o clima necessário à vida no Céu, é indispensável regresses ao mundo, nele plantando as bênçãos do amor.

O Espírito, embora desencantado, voltou ao círculo terreno. Todavia, preocupado com a opinião dos contemporâneos, fêz-se hábil político, estendendo o bem, por todos os canais e recursos ao seu alcance.

Movimentou verbas imensas construindo estradas e escolas, estimulando artes e indústrias, ajudando a milhares de pessoas necessitadas.

Quase um século se esgotou sobre as novas atividades, quando a morte o reconduziu à conhecida fronteira.

Trazia ele uma túnica de beleza admirável, mas, levado a exame, a mesma balança revelou-se desfavorável.

O fiscal amigo endereçou-lhe um olhar de simpatia e disse, bondoso:

- Trouxeste agora o título de Administrador e, em razão disso, a tua fronte aureolou-se de vigorosa imponência... Para que ascendas, porém, é imprescindível retornes à carne para a lavoura do amor.

Não obstante torturado, o amigo do Céu reencarnou no plano físico, e, fundamente interessado em preservar-se, ajuntou milhões de moedas para fazer o bem.

Extensamente rico de cabedais transitórios, assalariou empregados diversos que o representavam junto dos infelizes, distribuindo a mancheias socorro e consolação.

Abençoado de muitos, após quase um século de trabalho voltou à larga barreira.

O aferidor saudou-lhe a presença venerável, porque da roupagem augusta surgiam novas cintilações.

Apesar de tudo, ainda aí, depois de longa perquirição, os resultados lhe foram adversos.

Não conseguira as condições necessárias ao santo cometimento.

Debulhado em lágrimas, ouviu o abnegado companheiro, que informou prestimoso:

- Adquiriste o galardão de Benfeitor, que te assegura a insígnia dos grandes trabalhadores da Terra, mas, para que te eleves ao Céu, é imperioso voltes ao plano carnal e semeies o amor.

Banhado em pranto, o aspirante à Morada Divina ressurgiu no corpo denso, e, despreocupado de qualquer proteção a si mesmo, colocou as próprias mãos no serviço aos semelhantes... Capaz de possuir, renunciou às vantagens da posse; induzido a guardar consigo as rédeas do poder, preferiu a obediência para ser útil, e, embora muita vez bafejado pela fortuna, dela se desprendeu a benefício dos outros, sem atrelá-la aos anseios do coração... Exemplificou o bem puro, sossegou aflições e lavou chagas atrozes... Entrou em contacto com os seres mais infelizes da Terra. Iluminou caminhos obscuros, levantou caídos da estrada, curvou-se sobre o mal, socorrendo-lhe as vítimas, em nome da virtude... Paralisou os impulsos do crime, apagando as discórdias e dissipando as trevas... Mas a calúnia cobriu-o de pó e cinza, e a perversidade, investindo contra ele, rasgou-lhe a carne com o estilete da ingratidão.

Depois de muito tempo, ei-lo de volta ao sítio divino.

Não passava, porém, de miserável mendigo, a encharcar-se de lodo e sangue, amargura e desilusão.

- Ai de mim! – soluçou junto ao vigilante da Grande Porta – se de outras vezes, envergando veste nobre não consegui favorável resposta ao meu sonho, que será de mim, agora, coberto de barro vil?

O guarda afagou-o, enternecido, e conduziu-o à sondagem habitual.

Entretanto, oh! Surpresa maravilhosa!...

A velha balança, movimentando o fiel com brandura, revelou-lhe a sublime leveza.

Extático, em riso e pranto, o recém-chegado da Esfera Humana sentiu-se tomado nos braços pelo Anjo Amigo, que lhe dizia, feliz:

- Bem-aventurado sejas tu, meu irmão! Conquistaste o título de Servo. Podes agora atravessar o limite, demandando a Vida Superior.

Imundo e cambaleante, o interpelado caminhou para a frente, mas, atingindo o preciso lugar em que começava a claridade celeste, desapareceu a lama que o recobria, desagradável, e caíram-lhe da epiderme equimosada as pústulas dolorosas... Como por encanto, surgiu vestido numa túnica de estrelas e, obedecendo ao apelo íntimo, elevou-se à glória do firmamento, coroado de luz.

Pelo Espírito Irmão X - Do livro: Estante da Vida, Médium: Francisco Cândido Xavier. 

 PUREZA EM BRANCO

Quando Anésio Fraga deixou o corpo físico, ele, que fora sempre considerado puro entre os homens, atingiu a Fronteira do Mundo Espiritual à semelhança de um lírio, tal a brancura de sua bela vestimenta.
Pretendia viver nas Esferas Superiores, respirar o clima dos anjos, alc
̧ar-se às estrelas e comungar a presença do Cristo explicou ao agente espiritual que atendia ao policiamento da passagem para os excelsos Planos da Espiritualidade.
O zeloso funcionário, contudo, embora demonstrasse profundo respeito para com a sua apresentac
̧ão, submeteu-o a longo teste, findo o qual, não obstante desapontado, explicou que lhe não seria possível avançar.
Faltavam-lhe requisitos para maior ascensão.
– Eu? eu? – gaguejou Anésio, aflito. – Como pode ser isso? Fui na Terra um homem que observou todas as regras do Santo Caminho.
– Apesar de tudo... – falou o fiscal, reticencioso.
– Não me conformo, não me conformo!
reclamou o candidato à glória divina.
E sacando do bolso uma lista, exclamou agastado:
– Pensando na hipótese de alguma desconsiderac
̧ão, resumi em dez itens o meu procedimento irrepreensível no mundo.
E leu para o benfeitor calmo e atento: – Respeitei todas as religiões.
Cultivei o dom da prece. Acreditei no poder da caridade.
– Nunca aborreci os meus semelhantes. – Confiei sempre no melhor. – Calei toda palavra ofensiva ou desrespeitosa. – Calculei todos os meus passos.
– Jamais procurei os defeitos do próximo.
– Evitei o contacto com todas as pessoas viciadas.
– Vivi em minha casa preocupado em não ser percalc
̧o na estrada alheia.
O mordomo da Grande Porta, no entanto, sorriu e comentou :
– Fraga, voce
̂ leu as afirmações, esquecendo as demonstrações.
– Como assim ?
O amigo paciente apanhou uma ficha e esclareceu que o Plano Espiritual possuía também apontamentos para confronto e solicitou-lhe a releitura da lista.
Principiou Anésio :
– Respeitei todas as religiões...
E o examinador acentuou, conferindo as anotac
̧ões :
– Mas não serviu a nenhuma.
– Cultivei o dom da prece...
– Somente em seu próprio favor.
– Acreditei no poder da caridade...
– Todavia, não a praticou.
– Nunca aborreci os meus semelhantes...
– Entretanto, não auxiliou a quem quer que fosse.
– Confiei sempre no melhor...
– Mas apenas em seu benefício.
– Calei toda palavra ofensiva ou desrespeitosa...
– Não se lembrou, porém, de falar aquelas que pudessem amparar os necessitados de consolo e esperanc
̧a.
– Calculei todos os meus passos... – Para não ser molestado.
– Jamais procurei os defeitos do próximo... – Contudo, não lhe aproveitou os bons exemplos. – Evitei o contacto com todas as pessoas viciadas... – Atendendo ao comodismo. – Vivi em minha casa preocupado em não ser percalc
̧o na estrada alheia...
– Simplesmente para não ser chamado a tarefas de auxílio...
Anésio, desencantado, silenciou, mas o benfeitor esclareceu, sem afetac
̧ão :
– Meu amigo, meu amigo! não basta fugir ao mal. É preciso fazer o bem. Voce
̂ movimenta-se em branco, veste-se em branco, calça em branco e brilha em branco, mas a sua existência na Terra passou igualmente em branco... Volte e viva!
Angustiado, Anésio perdeu o próprio equilíbrio e rolou da Altura na direc
̧ão da Terra...

Irmão X (espírito), psicografia de Francisco Cândido Xavier. Livr: Contos Desta e Doutra Vida

O Espiritismo. www.oespiritismo.com.br

BEATRIZ

Bandeirante a sonhar com pedrarias

Com tesouros e minas fabulosas,

Do amor entrei, por ínvias e sombrias

Estradas, as florestas tenebrosas.

Tive sonhos de louco, à Fernão Dias...

Vi tesouros sem conta: entre as umbrosas

Selvas, o outro encontrei, e o ônix, e as frias

Turquesas, e esmeraldas luminosas...

E por eles passei. Vivi sete anos

Na floresta sem fim. Senti ressábios

De amarguras, de dor, de desenganos.

Mas voltei, afinal, vencendo escolhos,

Com o rubi palpitante dos seus lábios

E os dois grandes topázios dos seus olhos!

MIRITIBA

É o que me lembra: uma soturna vila

olhando um rio sem vapor nem ponte;

Na água salobra, a canoada em fila...

Grandes redes ao sol, mangais defronte...

De um lado e de outro, fecha-se o horizonte...

Duas ruas somente... a água tranqüila...

Botos no prea-mar... A igreja... A fonte

E as grandes dunas claras onde o sol cintila.

Eu, com seis anos, não reflito, ou penso.

Põem-me no barco mais veleiro, e, a bordo,

Minha mãe, pela noite, agita um lenço...

Ao vir do sol, a água do mar se alteia.

Range o mastro... Depois... só me recordo

Deste doido lutar por terra alheia!

POEIRA...

Poeira leve, a vibrar as moléculas: poeira

Que um pobre sonhador, à luz da Arte, risonho,

Busca fazer faiscar: pó, que se ergue à carreira

Do Mazepa do Amor pela estepe do Sonho.

Para ver-te subir, voar da crosta rasteira

Da terra, a trabalhar, todas as forças ponho:

E a seguir teu destino, enlevada, a alma inteira

O teu ciclo fará, seja suave ou tristonho.

Não irás, com certeza, alto ou distante. O insano

Pó não és que, a turvar o céu claro da Itália,

Traz o vento, a bramir, do Deserto africano:

Que és o humílimo pó duma estrada sem povo,

Que, pisado uma vez, pelo ambiente se espalha,

Sente um raio de Sol, cai na terra de novo. 

DOR

Há de ser uma estrada de amarguras

a tua vida. E andá-la-ás sozinho,

vendo sempre fugir o que procuras

disse-me um dia um pálido advinho.

No entanto, sempre hás de cantar venturas

que jamais encontraste... O teu caminho,

dirás que é cheio de alegrias puras,

de horas boas, de beijos, de carinho..."

E assim tem sido... Escondo os meus lamentos:

É meu destino suportar sorrindo

as desventuras e os padecimentos.

E no mundo hei de andar, neste desgosto,

a mentir ao meu íntimo, cobrindo

os sinais destas lágrimas no rosto!

LENDO-TE

“As roseiras aqui já estão florindo...”

Mandas dizer... “As híspidas e pretas

Rochas da estrada já se estão cobrindo

De musgo verde... Há muitas borboletas...”

E eu fico a pensar que agora é o lindo

Mês das rosas esplêndidas e inquietas

Asas: mês em que a serra anda sorrindo,

E em que todos os pássaros são poetas.

Vejo tudo: a água canta entre os cafeerios.

Vejo o crespo crisântemo e a açucena

Estrelando a verdura dos canteiros.

Penso, então, que em tudo isto os olhos pousas...

E começo a chorar... Olha: tem pena,

não me escrevas falando nessas cousas!...

SÍMBOLO

Meu amor! meu amor! voltaste ainda

A povoar os meus sonhos! Que forte elo

É este afeto, este céu de altura infinda,

Que eu de rimas e lágrimas estrelo?!

Sonho. É aí onde estás: A tarde finda...

Perto — a angústia; distante — tudo é belo:

Muito ao longe — a ala serra muito linda;

Junto a nós — o sertão muito amarelo...

“Olha (disseste), é um símbolo terrível:

A nossos pés, com o seu tormento, os ermos;

E olha a serra: é a Ventura inacessível...”

E acordei, a sentir estas saudades...

Que fizemos aos céus, para sofrermos

Tão longa série de infelicidades?...

            Página ampliada e republicada em abril de 2008 

               ENCONTRO DE JUDAS    E

Em 1937, em pleno exercício de sua produção mediúnica, Francisco Cândido Xavier psicografou o livro Crônicas do Além Túmulo, ditado pelo espírito Humberto de Campos, famoso e querido escritor brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras.

O autor descreve num dos capítulos, a viagem que fez a Jerusalém, sonho acalentado por muitos cristãos. Transitar pelos lugares sagrados, pisar o mesmo solo por onde andou Jesus...

Idosa senhora desejava, ardentemente, realizar esta peregrinação. O marido, um tanto preocupado com o clima de beligerância entre judeus e árabes, e bem mais com a preservação de suas economias, procurava contornar a situação.

Vamos esperar um pouco. Viajaremos de graça.

Ela se animou:

- Verdade! Alguma promoção?

- Não meu bem. É que dentro de alguns anos nos livraremos da carcaça da carne. Invisíveis, ninguém nos verá no avião.

Bem, não sabemos se Humberto de Campos viajou de carona, ou volitando, como o fazem os espíritos que já se desvencilharam do lastro pesado das paixões humanas...

O fato é que lá esteve, certa noite. Com a sensibilidade dos desencarnados, experimentou, emocionado, a vibração que ainda pairava sobre aqueles lugares santos, onde Jesus dera seus gloriosos testemunhos.

Em dado momento, viu um espírito em atitude meditativa, irradiava cativante simpatia.

Alguém informou: era Judas. Humberto não resistiu. Aproximou-se e, após apresentar-se, fez a pergunta que todos gostaríamos de formular:

“É verdade tudo quanto reza o Novo Testamento a respeito de sua personalidade, na tragédia da condenação de Jesus?”

Judas respondeu que em nenhum momento pensou em dinheiro. Era um apaixonado pelas idéias socialistas de Jesus. Sem entender os fundamentos do Evangelho, pensava mais em termos políticos. Não acreditava que, com sua mansuetude e o santo horror à violência, o Mestre conseguisse algo de produtivo. Imperioso conquistar o poder, a partir de enérgicas iniciativas.

Planejou então uma revolução, colocando Jesus em plano secundário. Imaginava que a sua prisão provocasse uma reação popular. Com o concurso de colaboradores afinados com suas convicções, aproveitaria o ensejo e alcançaria seus objetivos, envolvendo a multidão. Jamais poderia supor o rumo que os acontecimentos tomaram. Após a tragédia, ralado de remorsos, concluiu que o suicídio era a única maneira de redimir-se.

HUMBERTO DE CAMPOS


Judas foi um idealista transviado, a imaginar que seria possível eliminar as diferenças sociais e as injustiças em bases de violência.

Humberto de Campos lhe perguntou se o suicídio teria sido o suficiente para redimi-lo. Judas explicou que o remorso fora apenas uma providência preliminar, em face da reparação que lhe competia. Durante séculos padeceu, em múltiplas encarnações, o sofrimento expiatório. Foi cristão em existências que se sucederam. Sofreu horrores nas perseguições aos adeptos do Cristianismo.

Seus tormentos culminaram numa fogueira inquisitorial, quando também foi traído, vendido e usurpado, isto já em pleno século XV, quando fechou o ciclo de suas reencarnações expiatórias, com o perdão da própria consciência.

Humberto de Campos lhe perguntou se estava ali meditando sobre os dias passados.

“Sim... estou recapitulando os fatos como se passaram. E agora, irmanado com Ele, que se acha no seu luminoso Reino das Alturas, que ainda não é deste mundo, sinto nestas estradas o sinal dos seus passos divinos. Vejo-o ainda na cruz, entregando a Deus o seu Destino...Sinto a clamorosa injustiça dos companheiros que o abandonaram inteiramente e me vem uma recordação carinhosa das poucas mulheres que o ampararam no doloroso transe. Em todas as homenagens a Ele prestadas, eu sou sempre a figura repugnante do traidor. Olho complacentemente os que me acusam sem refletir se podem atirar a primeira pedra... Sobre o meu nome pesa a maldição milenária, como sobre estes sítios cheios de miséria e de infortúnios. Pessoalmente, porém, estou saciado de justiça, porque já fui absolvido pela minha consciência, no tribunal dos suplícios redentores.

Quanto ao Divino Mestre, continuou Judas com seus prantos, infinita é a sua misericórdia e não só comigo, porque, se recebi 30 moedas, vendendo-o aos seus algozes, há muitos séculos, Ele está sendo criminosamente vendido no mundo, a grosso e a retalho, por todos os preços, em todos os padrões do ouro amoedado...”

Um dia, quando as faculdades psíquicas humanas estiverem mais desenvolvidas, permitindo o acesso aos arquivos espirituais, que registram os eventos humanos, teremos uma historiografia espírita. Reescreveremos a História a partir das informações que emanam da espiritualidade, com uma visão objetiva de como as coisas aconteceram realmente. Então a figura de Judas deixará de simbolizar a do traidor execrável que vendeu seu Mestre por dinheiro. Saberemos que foi o discípulo iludido, que pretendeu construir o Reino dos Céus à sua morada. Em seu favor, como ele próprio destaca, devemos lembrar que Jesus continua sendo traído por incontáveis religiosos, que sustentam inconcebível coexistência entre os ideais cristãos e suas mazelas.

Fonte: O Reformador – Richard Simonetti.       Pedro Ozório.   

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